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domingo, 31 de julho de 2016

Qual anatomia é ideal para sobreviver a colisões automotivas?

Um grupo australiano composto por uma escultora, um cirurgião especialista em traumatismos por colisões e um investigador de acidentes veiculares fizeram um interessante exercício sob encomenda da Comissão de Acidentes no Transporte (TAC) do estado de Victoria, Austrália, a respeito de como haveria de ser o corpo humano selecionado pelo trânsito.

Para eles, as modificações anatômicas envolveriam uma cabeça grande resultante de um crânio espessado e tecidos absorvedores de choque que protegeriam o cérebro de danos do impacto ligado diretamente ao tórax, sem pescoço; uma caixa torácica reforçada e alguns outros detalhes menores.

A especulação é interessante para desenvolver uma consciência a respeito dos perigos do trânsito. Mas creio que não para um dos objetivos declarados do projeto, segundo o diretor-executivo da TAC, Joe Calafiore, de ser um "lembrete para desenvolver um sistema de trânsito mais seguro que vai nos proteger quando tudo der errado". Isso porque a base científica das modificações na escultura - chamada de Graham - parecem-me um tanto frágeis.

Aparentemente as modificações foram feitas em cima das estruturas mais afetadas em uma colisão de carro - cabeça e tórax - e a solução apresentada foi reforçá-las.

Mas aumentar a massa de impacto tende a não ser uma boa ideia.

Uma massa corporal maior significa uma energia cinética maior, o que implica em uma força de impacto maior - ainda que tecidos moles como o adiposo possam fornecer algum amortecimento e tecidos ósseos mais densos possam ser mais resistentes - tende a forçar mais os sistemas de segurança como cintos e air bags.

Zhu e cols. (2006) analisaram a relação entre fatalidade em colisões e o índice de massa corporal (IMC) dos motoristas. Excetuando-se as situações de velocidade muito baixas, em que uma maior massa, tem um efeito protetor, quando maior o IMC, mais mortais são os acidentes. (Fig. 1)

Figura 1. Relação entre índice de massa corporal (IMC/BMC) em motoristas homens e fatalidade em colisões automotivas. Fonte: Zhu et al. 2006.

Cabe notar que a relação IMC maior, maior fatalidade não é observado entre as mulheres (Fig. 2).

Figura 2. Efeito do IMC/BMC na fatalidade em colisões automotivas para homens (Men) e mulheres (Women). Fonte: Zhu et al. 2006.

A diferença parece se dever à diferença de distribuição de massa - nos homens, ela tende a se concentrar na região superior (Zhu et al. 2010).

Oras, aumentar a massa na região superior é exatamente o resultado da proposta da equipe que produziu Graham.

Um boi almiscarado tem, entre espessura de chifre e do crânio, cerca de 13 cm de proteção do cérebro contra o impacto gerado em suas disputas a cabeçadas contra outros machos. São animais de até 410 kg batendo-se a 60 km/h. A resistência estimada do sistema chifre+crânio é de 12.858 N (Snively & Theodor 2011). Já um motorista de uns 75 kg em uma colisão 48 km/h enfrenta uma força de 14.274 N com cinto de segurança e de 107.059 N sem cinto. O aumento de massa pela espessura cranial (e do reforço das costelas) só piora o impacto e não deve gerar a resistência necessária.

Por outro lado, um relatório técnico de 2005 do Departamento de Transporte dos EUA, levantou a mortalidade em crianças e adolescentes em colisões veiculares. Para situação de uso de cintos e cadeiras de segurança em carros de passeio, as seguintes taxas foram encontradas por faixa etária por colisão:

0-3 anos: 20,1%; 4-7 anos: 13,6%; 8-15 anos: 18,4%; 16 ou mais anos: 36.9%.

De modo geral, quanto mais jovens, maiores as chances de sobrevivência em uma colisão. A idade correlaciona-se, entre outras coisas, com o tamanho corporal.

Somando-se com a observação da mortalidade de adultos relacionada ao IMC e à distribuição da massa, o melhor para sobreviver a um acidente seria uma massa *menor*.

Um menor tamanho corporal implica também em uma menor estatura. Em termos teóricos, o papel da altura do ocupante é mais complexo - especialmente para os motoristas. De um lado, pessoas mais baixas do que a média, tendem a puxar o banco mais para a frente, ficando mais perto da barra da direção e do para-brisas: aumentando a tendência de impacto cheio com esses obstáculos. De outro, pessoas mais altas têm um menor espaço de segurança até o teto. Além disso, tendem a ter a cabeça muito acima do ponto de contato com o cinto, o que as expõe a um maior efeito chicote - em que a cabeça é rapidamente sacudida para frente e para trás em movimento de grande amplitude - o que pode causar sérias lesões na coluna cervical (risco que, teoricamente, Graham, sem pescoço, não corre).

Na literatura há alguns dados que apontam tanto para um sentido - maior risco para os mais altos - quanto para outro - maior risco para os mais baixos. Mas parece haver uma tendência a haver um maior risco para os mais altos.

Howson et al. (2012) examinaram a relação a sobrevivência em capotagem e a altura do motorista. Motoristas com mais de 72 polegadas de altura (1,83m) apresentou uma maior taxa de fatalidade - provavelmente pelo menor espaço entre o topo da cabeça e o teto do veículo aumentando a probabilidade de impacto sobre a cabeça.

Chong et al. (2007) analisaram vários atributos dos ocupantes e incidência de fraturas nas extremidades inferiores e obtiveram uma taxa aumentada de fraturas no joelho, fêmur ou bacia (KTH) para pessoas com 1,70m ou mais. Fraturas KTH, tíbia ou fíbula (LL) e pé e calcanhar (FA) aumentam também com o peso.

Por outro lado, Welsh et al. (2003), em um relatório para o Departamento de Transporte do Reino Unido, encontraram um *maior* risco de ferimentos moderados (AIS 2+) entre motoristas com até 1,60m de altura.

Pode ser que haja e que eu não tenha encontrado, mas um estudo interessante seria ver a taxa de sobrevivência/fatalidade de motoristas anões em acidentes. Sendo tudo o mais igual, capaz deles terem uma perspectiva melhor do que pessoas de altura normal.

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