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domingo, 24 de julho de 2016

Contra o método: uma pedra no meio do caminho*

Método vem do grego methodos 'perseguição, busca, sistema' (meta 'além, após' e hodos 'via, caminho'). É uma das principais seções de um artigo científico típico, onde é descrito idealmente todos os passos seguidos para se obter os dados reportados - e que, supostamente, se outras pessoas reproduzirem, deverão obter os mesmos resultados. O método é um dos pilares da ciência, na medida em que serve de garantia da reprodutibilidade dos dados e, portanto, da correção e honestidade destes.

Em função disso, exige-se a máxima transparência em relação à descrição do método. Porém, alguns casos têm vindo à tona de graves falhas na metodologia empregada que passaram despercebidas e, agora, afetam seriamente a credibilidade de milhares e milhares de artigos e lança sombra sobre suas respectivas áreas.

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'O que faremos amanhã à noite, Cérebro?' 'O mesmo que fazemos todas as noites, Pinky; tentar consertar o método.'
Apesar do imageamento por ressonância magnética funcional (fMRI) - em que se busca detectar regiões do cérebro em que há uma alteração no sinal de ressonância magnética dos núcleos de hidrogênio aumento do consumo de açúcares radiomarcados durante a realizações de determinadas tarefas**** - já ter um quarto de século com intenso uso em pesquisa e diagnóstico, o principal algoritmo estatístico de detecção de padrões usado nessa técnica nunca foi devidamente validado com testes comparativos com dados reais.

Eklund e cols. (2012) resolveram, então, colocar isso à prova e obtiveram um resultado muito ruim: até 70% (a depender dos ajustes utilizados nos programas) de falsos positivos foram obtidos na análise de 1.484 dados de repouso disponíveis publicamente em um bando de dados com o uso do pacote SPM - contra a taxa esperada de falsos positivos de 5% O mesmo grupo em.Eklund, Nichols e Knutsson (2016)** expandiu a análise incluindo os principais softwares utilizados nesse tipo de análise (além do SPM, também o FSL, o AFNI e o método de permutação não-paramétrica) e também foram obtidos taxa de falsos positivos muito acima do esperado. O problema provavelmente deve-se ao fato de os dados reais não seguirem uma distribuição teórica (gaussiana) como suposto nas análises estatísticas implementada nos softwares.

O achado deve afetar cerca de 40.000 artigos que utilizam a técnica de fMRI. Esse número foi depois removido em uma correção ao artigo. Em 2017, Cox et al., publicaram uma resposta em que contestam a estimativa do erro feita por Eklund e colaboradores. Em vez da taxa de até 70%, Cox e colegas estimam que a inflação dos valores seja de menos de 10%.*****

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Corretor celular
Em uma revisão, Hugues e cols. (2007), estimaram que 18% a 36% das linhagens celulares utilizadas em pesquisa estavam contaminadas ou eram objeto de erro de identificação.

Em 2012, foi formado o Comitê Internacional de Autenticação de Linhagens Celulares (ICLAC) para avaliar o perfil das linhagens celulares utilizadas em pesquisa. Mais de 400 linhagens estão catalogadas como contaminadas ou erroneamente identificadas.

Christopher Korch, um dos principais pesquisadores da área, estima que apenas com duas linhagens: HEp-2 e INT 407 (contaminadas há muito tempo e atualmente constituídas essencialmente por células HeLa), 7.125 artigos estão comprometidos.

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*Obs: Apenas um trocadilho com título da principal obra do filósofo Paul Feyrabend. Não é nenhum abono a ela - não que minha recomendação ou restrição conte alguma coisa. (Claro, também uma referência ao conhecido a abusado verso do poeta Carlos Drummond de Andrade.)
**via Rafael Garcia fb
***ht Stevens Rehen fb
****O leitor Ricardo, a quem agradeço, alertou nos comentários que a explicação original estava errada - ela se referia à técnica de PET scan.
****Upideite(24/nov/2019): adido a esta data.

2 comentários:

Ricardo disse...

"(...)imageamento por ressonância magnética funcional (fMRI) - em que se busca detectar regiões do cérebro em que há um aumento do consumo de açúcares radiomarcados (...)"

fMRI se baseia em resposta hemodinâmica, PET scan é que mede o aumento de consumo de açúcares radiomarcados.

none disse...

Obrigado, Ricardo.

Assim que tiver acesso a um computador corrijo o trecho.

Valeu pela visita e comentário.

[]s,

Roberto Takata

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